Daqui a mais ou menos dois meses os assinantes da Netflix Brasil – e do mundo – poderão acompanhar a oitava e última temporada de Voltron: Legendary Defender no catálogo do serviço de streaming. Assinada por dois nomes de expressividade marcante no cenário de animação estadunidense: Jaquim dos Santos (Avatar: A Lenda de Aang, Avatar: A Lenda de Korra e Liga da Justiça Sem Limites) e Lauren Montgomery (Liga da Justiça: Crise nas duas Terras e Avatar Series), que assumem a função de produtores executivos, a trama não é simplesmente um refugo de um clássico para lá de esquecido, mas sim a cereja do bolo do que se pode denominar de universalização do cenário de animação.

Caso você ainda tenha dúvidas sobre quem ou o quê é Voltron o redator Tsukasa-kun já explicou em sua coluna um pouco da história dessa franquia. Um compilado de animações japonesas com inserção de novos diálogos e alterações de nomes e etc. Esse é o Voltron original licenciado pela World Events Productions. Após diversas outras tentativas de reciclar uma franquia – que só fez sucesso mesmo em solo norte-americano – incluindo passagens por outra grande do entretenimento dos Estados Unidos: a Nickelodeon, que lançou uma série especial no formato sequela (com acontecimentos após os da série original).

Num trabalho de reconstrução de marcas, a divisão de TV da DreamWorks se juntou à World Events Productions e buscou reforço na mão de obra mais qualificada para emplacar uma animação: a asiática. Não chegaram a ir ao Japão, ou mesmo na China. Foram à Coreia do Sul, que é outro berço efervecente de desenvolvimento de games e animações no presente século. O já conhecido Studio Mir (Avatar: A Lenda de Korra e LEGO Elves: O Segredo de Elvendale) assumiu o projeto do novo Voltron em 2016 e após dois anos e sete temporadas um fenômeno de animação se constrói.

Pode parecer esquesito só se falar de Voltron: Legendary Defender tanto tempo depois, mas é só nessa reta final que a narrativa ganha um destaque relevante. Sua trama – imersa em comédia e algumas lutas bem animadas – aparecem num primeiro momento no mais genérico clichê do animê mecha. Contudo, o costante conjunto de plot twist que se sucedem na sequência dos acontecimentos mostram o trabalho dos dois produtores americanos que nos surpreenderam tanto com a franquia Avatar anos atrás.

Voltron: Legendary Defender tem um plano de fundo. Não há mais nada nessa animação que nos faça lembrar do Voltron de 1984 editado por Peter Keefe e John Teichmann. A trama da segunda temporada original (Vehicle Voltron), que por sua vez é editada sobre a animação Armored Fleet Dairugger XV foi completamente ignorada. Não sendo das mais populares não havia motivos para usá-la. A magia do Voltron sempre esteve ligada ao seus "Leões". É isso que Joaquim dos Santos e Lauren Montgomery ressucitam em seu reboot. Antes, o Voltron que se formava do cinco leões (King Beast GoLion) tinha uma história não muito aprofundada sobre sua criação e acabaram servindo apenas como instrumento de marketing e vendas. Quem não lembra aqui de um episódio de "Todo Mundo Odeia o Chris" onde o Julius e Drew se aventuram por causa de um boneco do robô gigante? Na série atual há uma história bem mais complexa, sombria e convidativa para a formação da mitologia do seriado e a construção da relevância do robô para todas as personagens existentes.

Uma outra característica forte é que Voltron não é o grande protagonista. Tá certo que suas aparições sempre são aguardadas e destacadas na série ao longo das temporadas, mas na verdade há seis protagonistas: os pilotos do Voltron. Sim, são apenas cinco leões, mas acaba que temos seis paladinos (pilotos do Voltron) e isso rendeu bastante pano para manga ao longo da história. Pudemos nos aprofundar nas características e personalidades de cada um deles. Vimos como suas mudanças e atitudes refletiram diretamente nos acontecimentos e é isso que se espera de uma boa animação. Ela não deve ser só bons gráficos, efeitos e trilhas (que são importantes!), todavia devem ter uma narrativa sólida onde o Chamado para a Aventura e a Jornada do Herói sejam não apenas visíveis, mas compreensíveis e aceitáveis.

Talvez dentre suas abordagens atuais que lhe tornam única, a franquia surpreendeu ao tornar-se voltada para o diálogo com o público-alvo do momento. O foco fica em Takashi Shirogane, o Shiro, líder dos paladinos e ex-piloto do Leão Negro. Após quase seis temporadas os produtores revelam que ele é homossexual. Até aí sem problema, embora particularmente acredite que tal fato deveria ser exposto mais cedo. Em muitos momentos da trama ficou quase que impossível perceber tal personalidade por parte da personagem, o que dificultou muito interpretarmos seus interesses. A fuga do clichê ao inserir em seu guerreiro mais valente a persona da liberdade sexual é de grande valia para a trama, só que a falta de indícios (ou indícios pouco visíveis) acabaram que tornando Shiro uma icógnita. Não que ele ser gay mude qualquer coisa. Pelo contrário! Shiro já pode ser considerado um dos ícones gay da animação mundial mais respeitado e querido. Valente, destemido e companheiro ele destrói o paradigma do herói hétero sem precisar entrar no mérito de assuntos morais ou algo do tipo.

Não só a diversidade sexual, mas a luta contra o preconceito racial, o apoio a causa dos refugiados e a liberdade de expressão/direitos humanos, são destacadados com veemência na narrativa, que nos prende do começo ao fim. Seu esquema de episódios por temporadas 11, 13, 7, 6, 6, 7, 13, da primeira para a sétima, ajudaram a manter o público no anseio pela continuidade a assim perpetuou a série entre os sucessos dos Estados Unidos não infantilizados que ganharam o fandom geek-otaku.

Agora é esperar por novembro e o desfecho da luta de Voltron contra o Império Galra. Já se pode afirmar que coisa boa estar por vir e que é quase mínima as chances de nos decepcionarmos ao final.

Até a próxima e… Sayonara!